Médio Solimões avança na implementação do Programa Nacional da Alimentação Escolar

Publicado em: 21 de agosto de 2024

A região do médio Solimões é abundante em peixes, frutas e roças. O ritmo das águas marca a vida das pessoas, determina as distâncias e a sazonalidade da produção. Açaí, bananas, macaxeira, jerimum, farinha de mandioca, peixes miúdos, lisos ou até o famoso pirarucu são só alguns exemplos do que a produção local oferece. 

Mas nem sempre essa variedade de produtos está presente nos refeitórios escolares. A realidade de muitas escolas das zonas urbanas e rurais ainda é repleta de desafios no que se trata de alimentação escolar de qualidade, saudável e culturalmente adequada. Claudionor Gomes Coelho é gestor na Escola Polo Municipal Indígena Espírito Santo e conhece bem esta realidade. “A escola na qual trabalho está localizada na aldeia São Jorge, à beira do rio Solimões, em um local chamado Ponta da Castanha. Pertence ao município de Alvarães, mas fica bem distante da sede”. 

“Desde 2022, a escola recebe produtos personalizados. São produtos que estão no dia a dia de moradores, e são bem aceitos, principalmente quando é açaí com tapioca,  mingau de banana, filé do pirarucu, banana cozida, goma de mandioca, cará, entre outros. O esforço é manter o cardápio com produtos regionalizados, para reduzir o máximo de produtos industrializados na escola. Sei que o desafio é grande, mas estamos no caminho certo. Esse ano, já recebemos cinco vezes produtos na escola. Isso é merenda de qualidade, que é muito bem aceita pelas crianças. O aprendizado só tende a crescer, principalmente quando a escola se esforça para manter um cardápio variado”, avalia o gestor. 

Para fortalecer os processos de compras institucionais via o Programa Nacional da Alimentação Escolar (Pnae) na região, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em parceria com a GIZ Brasil, implementou o projeto Fortalecimento da bioeconomia por meio da estruturação das cadeias produtivas e de valor da agricultura familiar e suas redes de agroecologia no Amazonas. Esta iniciativa promoveu um trabalho articulado, mobilizando equipes da gestão municipal, nutrição e preparo de alimentos, equipes escolares, assistência técnica e extensão rural, e produtoras e produtores dos municípios de Alvarães, Maraã, Tefé e Uarini. 

“Trabalhamos na assessoria direta para equipes de nutrição, com secretários de educação, finanças, equipes de licitações, para que o processo ocorra no período correto, para ter alimentos regionalizados desde o início do ano letivo. A gestão municipal é chave, e o nível de comprometimento influencia os resultados”, analisa Jéssica Lopes, nutricionista e analista de pesquisa no Instituto Mamirauá. Além disso, o trabalho de acompanhamento também foi feito com quem produz. “Isso significa promover debates sobre o que é o Pnae, como funciona e quais são as oportunidades que ele traz para a região. Com produtoras e produtores, trabalhamos o tema de como vender para o Pnae, como entender os editais de chamadas públicas, onde buscar informações e organizar o projeto de vendas. Estamos construindo um entendimento conjunto de que é possível fazer o Pnae acontecer, que ele realmente se configura como uma oportunidade de venda para a produção familiar em suas próprias comunidades e no município”, ressalta Jéssica. 


Resultados na prática

Desde os anos 1960, o Brasil implementa o Pnae, com o objetivo de garantir alimentação para crianças e adolescentes no ambiente escolar. Desde 2009, como estabelecido na Lei nº 11.947, no mínimo 30% das compras feitas com recursos do Programa devem ser oriundas da agricultura familiar.  Na prática, cumprir essa meta é um desafio para inúmeros municípios. 

Wesley Cavalcante, jovem liderança da Terra Indígena Marajaí, trabalha como coordenador para alimentação escolar regionalizada da Prefeitura Municipal de Alvarães. Ele vê na prática os avanços que já ocorreram: “Esse trabalho já vem acontecendo há quatro anos, desde 2021, e nós tivemos uma grande evolução. Temos a alegria de já cumprir e superar a exigência mínima de compra de alimentos oriundos da agricultura familiar. Hoje, 40% das nossas compras já são oriundas de comunidades ribeirinhas e indígenas. Isso é um ganho para a economia do município e para as crianças, que têm acesso a produtos mais frescos, regionais e saudáveis”. 

Para quem vende, a participação no Programa garante uma renda extra, além do orgulho de ver sua produção alimentando as crianças. Este é o caso da senhora Edna Rocha Lopes. Edna é moradora da comunidade Bom Jesus, na Floresta Nacional de Tefé, também em Alvarães. “Eu me sinto orgulhosa, porque há muito tempo a gente vem tentando e se organizando para acessar os programas. Muitas vezes, quando a gente ia acessar, tinha a questão dos documentos, às vezes não aceitavam os documentos que a gente tinha… E agora faz três anos que eu já acesso o programa e vendo para o Pnae”. E Edna deixa um recado positivo para quem ainda não conseguiu: “Eu já tenho resultado disso, eu sei que dá certo. E como agricultora, eu quero incentivar outras pessoas a também participarem!”.

Em todos os municípios atendidos pelo projeto, houve um aumento significativo no número de agricultoras e agricultores que passaram a fornecer alimentos diretamente nas escolas, muitas vezes nas próprias comunidades e aldeias em que vivem. Em 2022, em Tefé, Maraã e Alvarães, 10 fornecedores indígenas e ribeirinhos e uma cooperativa indígena forneciam para o Pnae. Em 2023, esse número subiu para 77 pessoas, além da cooperativa. Já neste ano de 2024 em torno de 123 agricultores individuais, uma cooperativa indígena e uma associação de agricultores estão fornecendo para o PNAE na região.. 

“Ao olharmos os dados de chamadas realizadas e número de pessoas envolvidas na venda, percebemos como o engajamento local, a partir da interlocução e do trabalho colaborativo, potencializa a implementação do Pnae. Trabalhamos em conjunto com quem produz, dialogando e construindo soluções com instituições como o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal (Idam), Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento (SEMPA locais), Secretarias de Educação, prefeituras e suas equipes técnicas. Inclusive, foi publicada uma nota técnica com recomendações sobre como inserir mais produtos da sociobiodiversidade na alimentação escolar, sistematizando experiências deste e de outros projetos desenvolvidos pelo Instituto Mamirauá”, comenta Fernanda Viana, coordenadora do Programa de Manejo de Agroecossistemas do Instituto Mamirauá. 


Avanços do Pnae na Amazônia

O Pnae é uma política pública fundamental na garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional, além de proporcionar um mercado importante para a agricultura familiar, de povos indígenas e comunidades tradicionais. Isso estimula uma produção pautada na biodiversidade, ao mesmo tempo em que promove uma alimentação saudável e culturalmente adequada. 

Na Amazônia, o papel do Programa torna-se ainda mais relevante, já que a região tem índices de insegurança alimentar bastante altos. Dados da  Rede PENSSAN, de 2022, mostram que cerca de 45% das pessoas no Norte enfrentam algum grau de insegurança alimentar, especialmente em zonas rurais.  “A alimentação escolar de qualidade, saudável e adequada aos hábitos e cultura locais, oriunda da agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais, cumpre um papel muito relevante no combate à fome e à desnutrição, além de constituir uma importante alternativa de renda”, afirma Mariana Semeghini, assessora técnica na GIZ Brasil. Para Mariana, a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), coordenada pelo Ministério Público Federal do Amazonas, tem desempenhado um papel fundamental neste processo. A partir da experiência, resultados e impactos positivos da Catrapoa, foi criada uma instância nacional, a Catrapovos Brasil, e a iniciativa tem sido ampliada para todo o país.

Experiências locais, como as que ocorrem no Médio Rio Solimões, são chave para apontar soluções. “Sabemos que os desafios são muitos, e que o Pnae, enquanto um programa nacional, precisa de muitas adequações para que de fato cumpra todo o seu potencial. Mas as experiências locais vêm mostrando que é possível construir um futuro mais sustentável, garantindo alimentação de qualidade nas escolas, soberania e segurança alimentar, e uma produção local baseada na biodiversidade e na manutenção da floresta em pé”, reforça Mariana. 

O projeto Fortalecimento da Bioeconomia por meio da Estruturação das Cadeias Produtivas e de Valor da Agricultura Familiar e das suas Redes de Agroecologia no Amazonas foi implementado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em parceria com o projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, que é desenvolvido pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da parceria entre Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, com recursos do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da Alemanha (BMZ).

Texto: Vanessa Eyng / GIZ Brasil

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